Na Salva dos fios (um atendimento de preto velho)



Na Salva dos fios (um atendimento de preto velho)

Sexta-feira, para alguns, dia que antecede o final de semana. Para outros de mais trabalho, de mais trânsito, de mais irritação, de pensar em lazer e para tantos outros, dia sagrado, de fé, de trabalho religioso, de caridade que age e atinge além da matéria; dia de solucionar os problemas, quebrar demandas, ouvir orientações, saber das verdades, receber passe, enfim… dia de gira.

Nesse contexto, Nilma chega ao terreiro. Estava desesperada, sua vida encontrava-se totalmente desequilibrada, sentia fortes dores e ainda carregava a informação que seres trevosos haviam instalado chips em seu corpo astral atingindo e agindo sob seu físico, espírito e principalmente, vida material. “São três: um na pineal e dois na base da coluna”, afirmava a moça logo ao adentrar naquela Casa Santa. Precisava de rapidez, ajuda e ações de resultado.

Com paciência, o médium responsável por receber os assistidos orientou os procedimentos daquela casa, deu-lhe uma ficha para atendimento e pediu que aguardasse a chamada de seu número. Irritada, Nilma afirma seu problema e solicita urgência e presteza em seu atendimento.

Preces iniciais começam envolver aquele ambiente, cheiros, palmas e atabaques oficializam o início dos trabalhos enquanto o canto determinava: tô incensando, tô defumando pro mal sair e a felicidade entrar… Nilma foi, mais uma vez, orientada a sentar, esperar a chamada e ainda, aconselhada a rezar acompanhando os movimentos e cantos iniciais para sua melhora, para facilitar os trabalhos espirituais da Casa e do Guia Espiritual ao atendê-la.

Salve a pemba, salve a toalha, salve a esquerda, salve a gira, salve a aruanda e os pretos velhos, a casa estava cheia e o desespero, as dificuldades, dores, desequilíbrios e espíritos negativos superlotavam o ambiente. Seria gira de Preto- Velho, tudo deveria ser muito bem preparado energeticamente, firmado espiritualmente e edificado emocionalmente - as giras de Umbanda são trabalhos sérios que carecem de estrutura, firmeza e cumprimento de muitos fundamentos, mesmo sendo uma religião simples, a Umbanda é plena e eficaz. Ela é transformadora e realizadora para aquele que com fé, humildade e bondade a procura.

Nilma sentou-se no canto ao fundo, estava cada vez mais incomodada e murmurava sem parar, olhava para o relógio e se mexia constantemente, já estava influenciando negativamente as pessoas ao seu entorno como sua nuvem negra e putrificada.

Aliás, ela influenciava a gira toda. Tudo estava mais difícil, as emanações positivas se chocavam com aquele imenso fluxo negativo que, por lógica, estavam sendo potencializados por seres trevosos e zombeteiros. Esses tipos de espíritos negativos penetram sordidamente e em surdina para não levantar suspeitas em qualquer terreiro e tem a “simples” função de prejudicar a gira e a melhora espiritual das pessoas – creio que não seja novidade para ninguém, mas, o Mal não deseja o Bem.

E nessa guerra firmada o atabaque tinha que ser mais intenso e energético; os médiuns deveriam firmar os pontos, as rezas, as intenções e as ações; o pai, responsável pela assistência e pelos médiuns, que no plano material encabeçava a condução do trabalho espiritual estava atento, orquestrando tudo aquilo e rogando pelo Bem, por Exu e pelo Poder Realizador da Umbanda. Ele olhava firmemente para cada filho de fé com a mesma confiança que olhava para o altar e emanava do seu chacra cardíaco uma amorosidade peculiar e cheia de fé. Sentia seu corpo rasgar por emitir tanto amor e crença, por tanto firmar sua certeza naquela corrente mediúnica, Guias Espirituais e naquele trabalho chamado Umbanda.

Com um pouco mais de tempo e intensidade de abertura (em comparação às outras giras) tudo se amenizava e os Pretos Velhos começavam a baixar em seus médiuns. Corpos arrepiavam, banquinhos brancos eram dispostos diante do altar enquanto os ogans cantavam Vovó tem sete saias na ultima saia tem mironga. Vovó veio de Angola pra salvar filhos de umbanda…

Na salva de seus filhos, os atendimentos espirituais iniciavam.

Nilma incomodadíssima levanta em busca de satisfação: que horas serei atendida? Meu caso é grave, tenho chips implantados, você sabe o que isso significa??? Tenho que falar com o pai de santo. Vocês tem que resolver meu problema… Eram tantas falas e perguntas que nenhuma palavra ou resposta eram suficientes. Ela sentava, levantava, murmurava, reclamava, lamentava, andava, ameaçava…

O Preto velho, Pai Joaquim de Angola, entidade espiritual estipulada e preparada para atendê-la estava entre a cruz e a caldeirinha: atendia-a logo beneficiando e defendendo todo trabalho e assistência daquelas energias negativas que se potencializam naturalmente ou deixava chegar a sua vez exata não promovendo assim, pensamentos do tipo “fulana está furando a fila”, “há privilégios e diferenças nesse terreiro”.

Bom, com o pensamento direcionado no macro, o Preto Velho autoriza a entrada de Nilma no congá e sem ao menos ter a oportunidade de perguntar como estava, ela já começava a reclamar. Já estava com o diagnóstico pronto, só precisava de uma solução rápida e de preferência fácil.

Sem oportunidade de falar, Pai Joaquim pede sua toalha branca ao cambone e cobre o corpo de Nilma, inclusive a cabeça. Estala os dedos, acende uma vela, reza deixando-a naquela posição.

Em pouquíssimo tempo – alguns minutos que para ela pareciam horas – ela mesma tira a toalha do corpo e pergunta: o que você vai fazer para solucionar meu problema? Já estou aqui há tempo e nada…

Pai Joaquim diz algumas poucas palavras de fé, esperança, calma e pede para ela retornar na semana que vem.

E antes dela sair ainda a segura pelas mãos e diz: Tem coisas, fia, que são muito simples, tem coisas que vão muito além e tem coisas que só dependem de vocês. Creia fia, nada é tão ruim, nada é por acaso, nada é pior que a farta de fé. Leve essas palavras em seu coração e volte com a mansidão de Oxalá.

O cambone que tudo acompanhava e que sempre se esforçava para anotar as sábias palavras mencionadas pelos guias espirituais crendo serem verdadeiras lições para a vida ficou por parte confuso, surpreso, emocionado e deveras perdido. “Era só aquilo ou tudo aquilo?”… Enfim, devia confiar e pronto! E essa foi a afirmativa reproduzida a Nilma que também saia confusa e um tanto irritada, tinha e estava com tanta coisa, esperou por tanto tempo e SÓ??? Perguntava-se e perguntava.

Sem mais delongas Nilma foi embora e a gira continuou… Pouco antes de Pai Joaquim de Angola se despedir dos trabalhos e dos médiuns chamou o cambone e disse: ohhh fio, ocê também queria mais, num é? E foi por isso que ocê também ficou confuso, tô certo? …

Num sei porque ocês sempre querem mais, também não entendo porque na mínima farta já ficam tuuudo confusos esquecendo de toda grandeza…. aíiii fio, que difircurdade que ocês tem de enxergar, aceitar e de agir com o que está em vossas mãos, que difircurdade…

Digo pra tu menino, tem coisas que são mesmo muito simples, tem coisas que vão muito além, tem coisas que só dependem de vocês MESMO. Aquela moça é médium e carece trabalhar, ela tem missão, mas ainda é muito presunçosa e vaidosa, por isso tem que acreditar em algo bem grande e assustador como implantes de chips, pois só assim sentirá a carência de pisar num terreiro. Saiba que em sua pineal está o forte dom mediúnico latejando e na base de sua coluna, onde ela identifica os outros dois chips está na verdade a dor da inflexibilidade, do ego exacerbado e da negação de sua realidade existencial que é a espiritual. Não temos muito que fazer a não ser tentar trazê-la cada vez mais para perto de si mesmo. Ocê sabe menino, a maioria dos médiuns chegam aqui pela dor, numé? Ruim?… Sei que é ruim, mas nada é pior que farta de fé.

Então fio, bora reza menino, bora firmar a bondade Divina na clemência de novas oportunidades para aquela moça, para tu e para todos esses meninos desinformados do poder do simples, da obrigação e da Umbanda. Bora fio, ajuda esse nego, ajuda esse povo, ajuda essa religião tão sedenta de bondade e fé.

Reza fio, reza fio de fé e carrega minha fé com tu… Até fio, até… Minha esperança tá em vossa mão.


Mãe Mônica Caraccio



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