Conversando sobre Exu
Conversando sobre Exu
Por Fernando Sepe
Dizem que Exu é um homem sério, castigador, espírito sem compaixão alguma.
Muitos
falam que nem mesmo sentimento essas entidades apresentam.
Muitos temem Exu,
relacionando–o com o Diabo ou com algum monstro cavernoso que a mente humana é capaz
de criar.
Bem, dia desses, no campo santo de meu pai Omolu, vi algo inusitado que me fez
pensar...
Um desses Exus Caveiras, que apresentam essa forma plasmada como meio de ligação a
falange pertencente, chorava sobre um túmulo. Discretamente, isso devo dizer, afinal os
Caveiras em sua maioria são de natureza recatada e introspectiva, mas chorava sim.
Engraçado pensar nessa situação, não é mesmo? Ele chorava pelos erros do passado,
chorava por uma pessoa a qual amava muito, mas não mais perto dele estava. Claro, sabia
que ninguém morria, mas a saudade e o remorso apertavam fundo seu coração.
Isso acontece muito no plano espiritual, onde muitas vezes os laços são quebrados
devido às diferenças vibratórias. Na verdade o laço não se quebra, apenas afrouxam-se um
pouco...
Mas, voltando a nossa história, fiquei a pensar muito sobre aquele tipo de visão. Pensei
que ninguém acreditaria em mim caso eu contasse esse “causo”, afinal, Exu é homem acima
do bem e do mal, Exu não tem sentimento, Exu não chora...
E para aqueles então que endeusam “seu” Exu, pensando ser ele um grande guardião,
espírito da mais alta elite espiritual, espírito corajoso, sem medos, violento guerreiro das
trevas. Exu acaba assumindo na Umbanda um arquétipo, ou mito, tão supra–humano, que
muitas vezes ele deixa de ser apenas o mais humano das linhas de Umbanda.
Arquétipo esse,
diga–se de passagem, muito diferente do Orixá Exu, arquétipo base para a formação do que
chamamos de Linha de Esquerda dentro do ritual de Umbanda.
É, eu acho que todo Exu chora. Assim como eu e você também. Inclusive, todo mundo
chora, pois todos temos dores, remorsos e tristezas. Isso é humano.
Mas, voltando ao campo
santo...
Logo vi um Exu, vestindo uma longa capa preta, se aproximar do triste amigo Caveira. O
que conversaram não sei, pois não ouvi, e muito menos dotado da faculdade de ler os
pensamentos deles eu estava. Mas uma coisa é certa: Os dois saíram a gargalhar muito!
“Engraçado, como é que pode? Estava chorando até agora, e de repente sai rindo de
uma hora pra outra?” _ pensei contrariado.
Fiquei alguns dias refletindo sobre isso, e cheguei a uma conclusão:
A principal
característica de um Exu é o seu bom–humor. Afinal, mesmo em situações muito
complicadas, eles sempre têm uma gargalhada boa para dar. Na pior situação, mesmo que de
forma sarcástica, eles se divertem.
Ele pode escrever certo por linhas tortas, errado por
linhas retas, errado em linhas tortas ou sei lá mais o que, mas uma coisa é certa, vai escrever
gargalhando.
Admiro esse aspecto de Exu. Tem gente que de tanto trabalhar com Exu torna–se
sério, “faz cara de mau”, vive reclamando da vida além de tornar–se um grande julgador.
A verdade é que nunca vi Exu reclamar de nada, nem julgar a ninguém. Pelo contrário,
o que vejo é que Exu nos ensina a não reclamar da vida, pois tem gente que passa por coisa
muito pior e o faz com honra e... Bom–humor!
Vejo também que Exu não julga ninguém, afinal, quem é ele, ou melhor, quem somos
nós para julgarmos alguém? Exu ensina que o que nós muito condenamos, assim o fazemos
porque isso incomoda. E sabe por quê? Porque tudo que condenamos está em nós antes de
estar nos outros.
Por isso Exu não gosta daquele que é um falso pregador, aquele que vive dizendo como
os outros devem agir, vive dizendo o que é certo, vive alertando os outros contra a vaidade,
vive julgando, mas no dia a dia pouco aplica as regras que impõe para os outros.
O mundo
está cheio deles. E Exu sorri quando encontra um desses. Mais para frente eles serão
engolidos por si mesmos. Pela própria sombra. Mas Exu não ri porque fica feliz com isso,
muito pelo contrário, ele até sente por aquela pessoa. Mas já que não dá pra fazer outra
coisa, o melhor é sorrir mesmo, não é?
O certo é que a linha de Exu nos coloca frente a frente com o inimigo! Mas aqui não
estamos falando de nenhum “kiumba”, mas sim de nós mesmos. O que eu já vi de médium
perdendo a compostura quando “incorporado” com Exu não é brincadeira.
Muitos colocam
suas angústias pra fora, outros seus medos e inseguranças, muitos seus complexos de
inferioridade. Tudo isso Exu permite, para que a pessoa perceba o quanto ela é complicada e
enrolada naquele sentido da vida.
Mas dizem que o pior cego é aquele que não quer ver, e o que tem de gente que não
quer enxergar os próprios defeitos...
E não sobra opção a Exu, a não ser sorrir e sorrir mesmo quando nós nos damos mal.
Mas, ainda falando dos múltiplos aspectos contraditórios de Exu, pois ele é a
contradição em pessoa, devo ainda relatar mais uma experiência contraditória em relação a
sua natureza:
Dia desses, depois de um “pesado trabalho de esquerda”, fiquei refletindo sobre
algumas coisas. E sempre que assim eu faço, algo estranho acontece.
Nesse trabalho, muitos kiumbas, espíritos assediadores, obsessores, eguns, ou sei lá o
nome que você queiram dar, foram recolhidos e encaminhados pelas falanges de Exu que lá
estavam presentes.
Sabe como é, na Umbanda, a gente não pega um livro pesado e começa a doutrinar os
espíritos “desregrados da seara bendita”. A gente entra com a energia, com a mediunidade e
com os sentimentos bacanas, deixando o encaminhamento e “doutrinação” desses amigos
mais revoltados nas mãos dos guias espirituais.
Esse trabalho foi complicado. Muitos, na expressão popular, estavam “demandando o
grupo”, ou seja, estavam perseguindo nosso grupo de trabalho e assistência espiritual, pois
tinham objetivos e finalidades diversas e opostas. Ninguém tinha arriado um ebó na
encruzilhada contra a gente, eram atuações vindas de inteligências opostas ao trabalho
proposto e atraídas pelas “brechas vibratórias” de nossos próprios sentimentos e
pensamentos. Mas que na Umbanda ainda acha–se que tudo que acontece de errado é culpa
de algum ebó na encruzilhada, isso é verdade...
Bom, o que sei é que alguns dias depois, durante a noite, enquanto eu dormia, alguém
me levou até um estranho lugar. Eu estava projetado, desdobrado, desprendido do corpo
físico, ou qualquer outro nome que vocês queiram dar. Fenômeno esse muito estudado por
diversas culturas espiritualistas do mundo. Fenômeno esse muito comum também dentro da
Umbanda, mas pouco estudado, afinal, muitos pensam que Umbanda é “só incorporar” os
guias e de preferência de forma inconsciente! Sei, sei...Olha Exu gargalhando novamente!
Nesse local, um monte de espíritos eram levados até mim e eu projetava energias de
cura em relação a eles. Vi várias pessoas projetadas no ambiente, inclusive gente muito
próxima, do grupo.
Alguns pouco conscientes, outros ainda nada conscientes. Mas, o importante, era a
energia mais densa que vinha pelo cordão de prata e que auxiliava no tratamento daqueles
irmãos sofredores.
Por quanto tempo fiquei lá não sei, afinal, a noção de tempo e espaço é muito diferente
no plano astral. O que sei é que em um certo momento um Exu, que tomava conta do
ambiente, veio conversar comigo:
"Tá vendo quanto espírito a gente tem “pego” daquelas reuniões que vocês fazem"? perguntou o amigo Exu.
Nossa, quantos! Muito mais do que eu podia imaginar.
" E isso não é nada, comparado aos milhares que chegam, diariamente, “nas muitas
casas” dos guardiões da Umbanda espalhados pelo Brasil".
"Poxa, mas isso é sinal que o pessoal anda trabalhando bem, não é mesmo"?
"Hahahaha, mas você é um idiota mesmo, né"?
"Desde quando fazer isso é um bom
trabalho"? Milhares chegam, mas sabem quantos saem daqui? Poucos! A maioria também para
servir as falanges de Exu. O grande problema é que os médiuns de Umbanda, pouco ou nada
cuidam dos que aqui ficam precisando de ajuda". Nossa missão aqui é transformar os antigos valores desses espíritos, mesmo que seja
através da dor. Mas, depois disso, muitos precisam ser curados, tratados. E dessa parte os
umbandistas não querem nem saber! Ah, ainda eu pego o maldito que disseminou que Umbanda só serve para cortar magias
negras e resolver dificuldades materiais. Vocês adoram falar sobre amor e caridade, mas
quase ninguém se importa em vir até aqui cuidar desses que vocês mesmos mandaram para
cá".
"É que muitos não sabem como fazer isso amigo"! _ tentei eu defender os umbandistas.
_
"Claro que não sabem! Só se preocupam em “cortar demandas”, combater feitiços e
destruir “demônios das trevas”. Grandes guerreiros! Mas nada fazem sem os vossos Exus,
parecendo mais grandes bebês chorões querendo brincar de guerra!
_ Lembre–se bem. Todos que a mão esquerda derrubar terão que subir pela mão direita.
Essa é a Lei. Comecem a se conscientizar que ninguém aqui gosta de ver o sofrimento alheio.
Comecem a ter uma visão mais ampla do universo espiritual e da forma como a Umbanda
relaciona – se com ele. Dedique–se mais a esses que são encaminhados nos trabalhos espirituais. Ore por
eles, faça uma vibração por eles, tratem–os com a luz das velas e do coração. Busquem o
conhecimento e forma de auxiliá–los. Quero ver se amanhã, quando você não aguentar mais o chicote, e não tiver ninguém
para te estender a mão, você vai achar tão “glamoroso” esse ciclo infernal de demandas,
perseguições e magias negativas. Isso aqui é só sujeira, ódio, desgraça e tristeza. Poucos têm
coragem de pousar os olhos sobre essas paragens sombrias".
"É, isso é verdade. Muitos falam, mas poucos realmente conhecem a verdadeira
situação do astral inferior a qual a Umbanda e toda a humanidade está ligada, não é mesmo"?
"Hahaha, até que você não é tão idiota! Olha, vou dar um jeito de você lembrar essa
conversa ao acordar. Vê se escreve isso pros seus amigos umbandistas! E para de reclamar da
vida. Quer melhorar? Trabalhe mais"!
"Tá certo seu Exu Ganga. Só mais uma coisa. Um dia desses li num livro que Ganga é
uma falange relacionada ao “lixo”. Mas você apresenta–se como um negro e ao julgar por
esses facões nas vossas mãos, acho que nada tem a ver com o lixo..."
"Lixo é esse livro que você andou lendo! Ganga é uma corruptela do termo Nganga, do
tronco linguístico bantu. Quer dizer “o mestre”, aquele que domina algo. O termo foi usado
por muitos, desde sacerdotes até mestres na arte da caça, da guerra, da magia, etc. Algo
parecido com o Kimbanda, mas esse, mais relacionado diretamente a cura e a prática de
Mbanda. A linha de Exus Ganga é formada por antigos sacerdotes e guerreiros negros. É isso!
Vê se queima a porcaria do livro onde você leu essa besteira de “lixo”...
Pouca coisa lembro depois disso.
Despertei no corpo físico, era madrugada e não fui dormir mais. Agora estou acabando
de escrever esse texto, onde juntei duas experiências em relação a Exu. Não sei porque fiz
isso, talvez pelo caráter desmistificador da sua figura.
Pra falar a verdade, essas duas estórias são bem diferentes.
Primeiro um Exu que chora,
sorri e ensina o bom–humor, o auto–conhecimento e o não julgamento. Depois um Exu que
preocupa–se com o “pessoal lá de baixo”.
Diferente, principalmente daquilo que estamos
acostumados a ouvir dentro do meio umbandista.
Talvez Exu esteja mudando. Talvez nós, médiuns e umbandistas, estejamos mudando.
Talvez a umbanda esteja mudando.
Ou, quem sabe, a Umbanda e Exu sempre foram assim, nós que não compreendemos
direito aquilo que está muito perto de nós, mas é tão diferente ao mesmo tempo.
Dizem que o pior cego é aquele que não quer ver...
PS: O termo "Ganga" é muito utilizado dentro da hierarquia do Candomblé de Nação
Angola. Ganga forma o nome dos muitos graus existentes dentro dessa hierarquia.
"Nganga" era na antiga África o feiticeiro, o sacerdote, o ritualista. Depois esse termo acabou
por virar Ganga. É inclusive dessa raiz que muito provavelmente venha "Ganga - Zumba", o
lendário rei dos Palmares, tio de Zumbi dos Palmares. Além disso, diz João do Rio em seu
livro, "As Religiões no Rio", que "Ganga - Zumba" é como os negros Cambindas chamam uma
divindade muito parecida com o Oxalá dos nagôs - yorubás. Por fim, ainda existe todo um
culto afro - cubano denominado os "Santos Ganga", muito parecido com a Santeria Cubana.
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