Tupã e a Criação
Tupã e a Criação
ROSANE VOLPATTO
No início de todas as coisas, Tupã criou o infinito cheio de beleza e perfeição.
Povoou de seres luminosos o vasto céu e as alturas celestes, onde está seu reino. Criou
então, a formosa deusa Jaci, a Lua, para ser a Rainha da Noite e trazer suavidade e encanto
para a vida dos homens.
Mais tarde, ele mesmo sucumbe ao
seu feitiço e a toma como esposa.
Jaci era irmã de Iara, a deusa dos lagos serenos.
Criou ainda, o forte deus Guaraci, deus do Sol, irmão de Jaci, o qual dá vida a todas as
criaturas e preside o Dia.
Fez nascer também Icatú, o belo deus. Formou um lugar de delícias para os bons e um lugar
tenebroso para os maus. Neste lugar vagam as almas sem vida e os espíritos dos guerreiros sem
glórias ou fugidos das tribos.
Tupã, após uma batalha, lançou para este lugar sombrio, seu temível e
poderoso inimigo Anhangá, deus dos Infernos, chamando estes lugares de regiões infernais.
Juntamente com este impiedoso deus, à este mundo subterrâneo também foram dirigidos: o jurupari
que ficou conhecido como mensageiro deste deus cruel; Tice, que tornou-se esposa do deus das
trevas; Xandoré (ave falconídea), o deus do ódio; Caramuru e o Boto; Abaçaí e Guandiro e muitos
angás.
Este era o reino do pavor, do ódio, da dor e da vingança.
No alto dos céus, sentado em seu trono, Tupã criou milhares de criaturas celestes que
executavam suas ordens e o louvavam.
Fez nascer sobre os verdejantes mares os Sete Espíritos e os
gênios que sob as ordens do Boto deus dos abismos dos mares, governavam os oceanos e habitavam
na sagrada Loca, que é a habitação dos deuses marinhos no fundo das águas.
Criou Pirarucú, deus do mal e deu vida ao alegre Curupira, deus protetor das florestas. Do
mesmo modo, nasceram as Sete Deusas:
Guaipira, a deusa da história
Pice, a deusa da poesia
Biaça, a deusa da astronomia
Açutí, a deusa da escrita
Arapé, a deusa da dança
Graçaí, a deusa da eloquência
Piná, a deusa da simpatia.
Depois criou para a alimentação dos deuses, o divino Ticuanga, o bolo feito de massa de óleos
e outras iguarias deliciosas para alimentar e deleitar os imortais. Mandou em seguida, preparar o
sagrado Tapicurí, o vinho dos sacros deuses e Tamaquaré, a fina essência aromática usada pelos
Senhores da Eternidade.
Estabeleceu as horas, os minutos e os segundos. Fixou as estações e as
mutações. Deu uma forma estável e regular ao Universo e instituiu o Nadir e o Zênite. Fez nascer a
reciprocidade e criou Catú, o deus outonal;
Mutin, o deus da primavera;
Peurê, o senhor do verão;
Nhará, que preside o inverno.
Criou também Tainacam, a deusa das constelações. Igualmente deu vida as Tiriricas, as deusas
da raiva, do ódio e da vingança. Colocou nas densas florestas o Caapora, deus vingativo, protetor das
casas e dos animais e lhe deu o feroz porco caitetú, sobre o qual cavalgava o temido deus,
protegendo os filhotes dos animais.
Criou Aruanã, o deus da alegria e protetor dos Carajás e faz
germinar no norte do Brasil as ricas e belas carnaubeiras, chamadas de árvores da vida.
Para concluir sua obra, Tupã veio ao mundo e fez o homem e deu-lhe como companheira a
mulher e logo eles se multiplicaram e encheram toda a terra.
O poderoso deus tomou então das suas
criaturas e ensinou-lhes a arte de tirar do seio da terra, ricos legumes e frutas, trabalhar com barro
e argila e do férreo Ubiratã, fazerem as mais fortes lanças e armas de guerra. Depois transmitiu aos
homens todo o conhecimento sobre os remédios para todas as doenças.
Finalmente, ensinou-lhes as
artes que tornam a vida mais suave a amena. Abençoou o sagrado Ibiapaba, Monte Sagrado dos
Deuses Brasileiros e nele permitiu a permanência das Parajás, do bondoso Inoquiué, das Parés, de
Solfã e de outros deuses imortais. Até ele próprio lá comparecia, vez por outra.
Alegres viviam os homens, felizes cresciam as crianças. Todos os deuses gloriosos e imortais
amavam-nos e davam-lhes formosos e ricos rebanhos de capivaras, pacas e cabras. Ao morrerem, os
homens não sofriam, pois mergulhavam em doce sono, seus corpos voltavam à terra e suas almas
subiam aos céus.
A vida proporcionava todo o bem imaginável. A terra era fértil e produzia-lhes
todas as árvores frutíferas que precisavam. Se algum mortal faltava com a veneração dos imortais,
entretanto, era duramente castigado. Os deuses reuniam-se em assembléia na Monte Ibiapaba e
enviavam as mensagens aos homens pelo alegre Curupira, o qual, possui os calcanhares para diante,
os dedos para trás e habita a floresta, castigando todo aquele que a destrói ou incendeia e é mais
célebre do que Polo, o deus do vento.
Mas, eis que um dia, Anhangá, cheio de inveja, transformado numa bela e astuta jararaca
gigante, soprou no ouvido dos homens a maldade e ainda que os outros deuses protetores vagassem
em torno deles para ajudá-los, nada conseguiram.
Então começaram os homens a serem dominados
por grande ambição e as Parajás, deusas do bem, da honra e da justiça, que eram inseparáveis,
envolveram o corpo com brancas plumas e abandonaram os mortais, voltando para junto dos deuses
eternos e a escura deusa Sumá (deusa inimiga dos homens), envolvida em negra manta, feita de cipó
chumbo, vagou pela terra, espalhando ódio e discórdia.
Deste modo os maus sentimentos ganharam o
mundo e os mortais tiveram o conhecimento do mal, da injustiça e amaram mais a maldade do que
as belas virtudes.
No alto dos céus, com os outros deuses, Tupã dominava, desde o começo dos tempos e numa
grande batalha, vencera o cruel deus Anhangá, senhor dos infernos e seu irmão, o deus Xandoré.
Com o seu poder, Tupã aprisionou o deus do ódio na sagrada serra do Ibiapaba. Algum tempo
depois, ele foi solto por Jururá-Açu a bela imortal. Por castigo, Tupã, fez nascer nas costas desta
deusa uma espécie de concha, e cobriu-lhe o corpo todo como uma cor amarelada e Jururá-Açu
transformou-se na feia e horrível tartaruga que habita as águas doces dos rios.
Assim, pode Tupã se
gloriar de ter vencido todos os que se opunham à ele.
Mas agora Tupã arrependeu-se de ter criado os homens! Voltou ele então à Ibiapaba e se reuniu
em assembleia com os imortais. Depois de muita discussão, chegaram à um consenso que deveriam
destruir a terra e todos os homens.
Já Caramuru, deus que presidia as faíscas e as ondas revoltas dos grandes oceanos, por ordem
do Conselho Divino, queria derramar sobre a terra os seus raios e coriscos, mas o deus do trovão
decidiu que a terra deveria ser engolida pelas águas da chuva.
Desta forma, Polo aprisionou os ventos na forte e gigante palmeira ubuçú, no Monte Araçatuba.
Boto desceu à terra, convocou todos os grandes e pequenos rios e Iara, raivosa, ordenou as fontes e
as chuvas que caíssem abundantemente durante quarenta dias e noites, sem cessar.
Os Sete Espíritos dos grandes oceanos por ordem do Boto, atiraram para a terra seca, bravias
ondas dos mares e fortes aguaceiros despencaram dos céus. As janelas celestes se abriram e as
plantações dos Tupis quedaram-se sob o peso das águas e da tempestade. As águas invadiram toda a
terra levando com elas as ocas, as tabas, as árvores e os templos.
Os animais se debatiam nas ondas.
Tribos numerosas eram engolidas pela inundação e os que escapavam das águas, morriam nas alturas
dos montes por determinação de Tupã.
Quando Tupã olhou para a terra, viu o mundo submerso em águas mortas e apenas um casal de
homens reverentes para com os eternos, contemplava os céus: Açu e Pirá.
Neste instante o senhor
dos mundos, fez baixar as águas e surgiram novamente as montanhas, a planície e a terra seca.
Açu olhou a sua volta e viu tudo mergulhado no silêncio da morte. As lágrimas começaram a
molhar sua face, quando perguntou a Pirá:
- Somente nós não sucumbimos no cataclismo, o que faremos sós e abandonados nesta
imensidão?
Os dois suplicaram entre salgadas lágrimas que a meiga e doce deusa Caupé para que os
ajudassem a recuperar toda a geração morta.
Ouvindo tais súplicas a deusa desceu e falou-lhes:
- Olhai três vezes para os céus e dizei: descobrimo-nos perante vós deuses imortais, curvamos
as nossas cabeças perante vossas ordens. Depois, tomai grande porção de areia e atirai para o alto.
Não hesitando um só momento em executar os tais ensinamentos da deusa e mal atiraram os
grãos de areia, viram que deles surgiram imagens, formas humanas.
E, desse modo, com o auxílio
divino, nasceram milhares de homens e mulheres e essa geração humana vindo de um só ramo Tupi,
encheu todo o lendário Brasil.
Depois de algum tempo, Açú e Pirá tiveram um filho, Tujubá, o ascendente dos tupinambás.
Os
filhos deste foram: Arumã, o herói, Moema, Taparica, que foi pai de Paraguassú, Irapuã, Tibiriça que
foi pai de Bartira, esposa do guaraciaba (João Ramalho), fundador de Piratininga, Tamará, Jucuré o
semi mortal, Icundi, e o belo Gunzá, Araribóia, o valente, Taparica, o invencível, Paumá, o
navegador, Inhampuambuçu, o vingativo, Poti, o guerreiro e Mendicapuba e a formosa Agniná.
Amor, Paz e Luz!
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