Contos de Seu Zé Pelintra - Vovó Catarina -




Salve Salve!

Hoje vou contar uma história bem simples para vocês. É a história de uma das muitas vovós Catarinas espalhadas por esse imenso Brasil e é mais ou menos assim:

Maria Amélia foi uma freira, irmã de caridade, em Portugal na época do Brasil/Colônia.

Dedicava-se aos cuidados de crianças abandonadas num orfanato mantido pela igreja católica.

Irmã Maria Amélia, como era conhecida, tinha muita fé na Virgem Maria e amava sua religião, seu segundo amor, conforme afirmava, era a criança, ou melhor, todas as crianças.

Dedicada, doce, irmã Maria Amélia vivia modestamente em Portugal.

Dizem, alguns que a conheceram, que irmã Maria Amélia se privava de alguns "privilégios", como os de boa alimentação, por exemplo, para dividir com seus miúdos, como costumava se referir às crianças sob seus cuidados. Todas as vezes que recebia doces, frutas de boa qualidade, tecidos bons, ela dividia com as crianças.

Irmã Maria Amélia foi repreendida algumas vezes por tal comportamento, porém, jamais deixou de proceder segundo sua consciência e coração.

Foi então que, convocada para uma missão em terras brasileiras, irmã Maria Amélia se viu constrangida a deixar os pequenos sob os cuidados de outra irmã de caridade, fato que arrasou seu coração, fazendo-a sofrer muito por conta da separação.

De tudo tentou a irmã, até ao Papa pediu permissão para continuar em Portugal, porém, todos os seus esforços foram em vão e a triste irmã teve de vir, por imposição da vida e da religião escolhida, para o Brasil.

As informações sobre essas terras que lhe chegaram foram as piores possíveis. Diziam à irmã que o Brasil era uma terra perigosa povoada por índios canibais e que os negros, para o Brasil trazidos, eram um povo desprovido de alma, portanto, perigoso tanto quanto os índios habitantes da selva, que na verdade era o Brasil.

 A ideia que se tinha era que o Brasil era uma imensa selva e que religiosos, em missão, por aqui encontrariam campo fértil para a evangelização.

Apavorada rezava a irmã. De coração partido e com muito medo, a irmã embarcou rumo às terras selvagens do Brasil.

Durante toda a viagem, chorava Maria Amélia e rezava, pois, nada mais a fazer podia se não entregar-se ao destino por Deus a ela reservado.

Muitos dias se passaram até que a irmã, por fim, desembarcou na "selva". Com muito medo, olhava por todos os lados e baixinho rezava pedindo ao Senhor e à Virgem Mãe, proteção.

Irmã Maria Amélia foi, na medida do possível para a época, confortavelmente instalada num convento improvisado que ficava próximo ao mar, fato que animou um pouco a estrangeira e durante o trajeto até o convento, a irmã observou a imensa beleza do local, afinal não era uma horripilante selva como lhe haviam descrito, era belo, muito belo o lugar e o clima ameno, quando de sua chegada, lhe causava sensação de conforto e bem estar.

Devidamente instalada, a irmã conheceu suas colegas e foi logo simpatizando com todos. As primeiras recomendações recebidas pela irmã de caridade, porém, iam contra seus princípios cristãos. Ela questionou, porém, em vão. Todos obedeciam fielmente às recomendações superiores da hierarquia aqui estabelecida e com ela não haveria de ser diferente, deveria obedecer sem questionar.

A irmã não era pessoa de se conformar, principalmente quando seus princípios religiosos eram, de certa forma, invadidos e violados.

De tudo fez a irmã para reverter a situação, porém, sem sucesso, começou a sentir desanimo, mas, uma força maior invadiu o seu peito e ela decidiu lutar por tudo aquilo que acreditava, não aceitaria, jamais, deixar à própria sorte quem a procurasse por qualquer razão que fosse, principalmente não negaria pão a quem tivesse fome, de forma alguma o faria porque considerava injusto ignorar os negros escravizados por seu povo "nobre". A irmã sentia em seu coração o apelo mudo daquela gente certamente sofrida e carente demais.

Em breve tempo irmã Maria Amélia compreendeu que sua luta seria inglória caso "batesse de frente" com seus superiores e decidiu, por sua conta e risco, assistir à infância dos menos favorecidos inserindo entre eles as crianças negras criadas à solta como mercadorias úteis para o futuro próximo.

O coração da irmã sofria toda vez que uma de suas crianças era vitima de maus tratos e descaso. De tudo ela fazia para minimizar tanto sofrimento, até teatro a irmã fazia com alguns bonecos por ela mesma confeccionados para levar algum alento a quem tanto sofria e o sorriso das crianças era seu maior bem, seu tesouro.

Ela sofreu muitas represálias por inserir em seu grupo de assistência social e evangelização as crianças escravizadas, mas ela sempre trazia nos lábios palavras que desarmavam os tiranos e assim, com doçura e muita fé, viveu por algum tempo a irmã até que um fato muito triste se deu:

Era um dia de sol muito forte, na praça, como que por ironia, bem em frente à igreja, havia um daqueles troncos onde os escravos eram covardemente amarrados para apanhar ou sucumbir até a morte. Nesse tal tronco havia um homem negro amarrado, peito nu, costas em carne viva, ele pendia naquelas cordas suando muito.

Diante da cena cruel e barbara, irmã Maria Amélia sentiu imensa dor em seu coração. Lágrimas rolaram pelo seu rosto e ao Senhor Jesus implorou por aquele homem. Aquela era a primeira cena que presenciava da violência corriqueira nas terras brasileiras. Inconformada, entrou aos prantos na igreja procurando por seu "Superior". Ele, por sua vez, tentou acalmar a irmã explicando a situação do regime vigente de então, mas ela não aceitava nenhuma palavra pronunciada por aquele homem e exigiu que o castigado fosse solto e que cuidassem de suas feridas, exigência essa que provocou riso no padre. Foi então que por fim, irmã Maria Amélia compreendeu a extensão e a gravidade da situação dos negros escravizados no Brasil. Diante dos fatos e por se sentir afrontada em seus princípios humanos e religiosos, ela decidiu abandonar o abito(veste religiosa e votos) e por sua conta foi viver.

Sua casa era de todos e algumas pessoas caridosas e bondosas a ajudaram nessa empreitada. Muitas crianças cresceram sob seus cuidados e à todas ela recebia sempre buscando recursos e ajuda junto à bons corações que mesmo anonimamente estendiam à ela suas mãos.

E assim viveu por longo tempo Maria Amélia até que, num fatídico dia, veio a falecer vitima de uma forte infecção provocada por um grave ferimento que se deu mais ou menos assim:

Maria Amélia costumava visitar algumas senzalas, na região onde viveu havia algumas e não eram muito próximas umas das outras, mas com amor e fé essa valente senhora caminhava a fim de levar alento, algum alimento e remédios para quem precisava. Para tanto se valia de prestimosa ajuda de um burrico a ela doado e que era realmente de grande auxilio em sua missão de socorro ao próximo.

Foi numa dessas visitas que Maria Amélia se deparou com violenta cena; uma criança de cerca de doze anos, sendo covardemente surrada por um homem muito forte. Ela interveio colocando-se na frente da criança e foi fortemente atingida pelo golpe do chicote que cortou e quase decepou seu braço direito.

Desfalecida, foi socorrida, assistida pela comunidade, porém, sucumbiu por conta da infecção.

Deixou muito amor como legado e levou muito amor consigo em sua bagagem espiritual.

Hoje Vovó Catarina é seu nome na Umbanda, uma das tantas dessa falange amorosa, aquela que vence demanda, luta pela infância, pela família e pela fé verdadeira, que é a que vem do coração e se pratica através do amor, do perdão e da caridade sem ostentação.

Contos de Seu Zé Pelintra

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23.02.2018


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