Lendas e Mitos de Exu


Lendas e Mitos do Orixá Exu 

Exu e os dois amigos 

Dois amigos se orgulhavam muito de sua amizade e lealdade, eram vizinhos. Viviam bem, mas não realizavam oferenda a Exu. Certa tarde, se encontravam os dois, como de costume, conversando nos limites de sua propriedade, quando Exu passou por entre eles, usando um chapéu metade branco e metade vermelho. Estranhando aquela figura entre eles, um comentou com outro: 

- Muito estranho aquele homem de chapéu vermelho. 

- Chapéu vermelho, não. O chapéu era branco. 

E assim passaram a discutir a cor do chapéu entrando em briga e inimizade. 

Muitas vezes Exu parece ser "o espírito de porco" na mitologia nagô-yorubá, mas o que não nos damos conta é que ele vem para mexer e cutucar o nosso ego. O fato dos homens não fazerem oferenda a exu diz muito a seu respeito, pois quem não oferenda exu, não oferenda a ninguém, que passa uma ideia de autossuficiência com relação ao sagrado. Exu nos lembra o tempo todo que vivemos em sociedade e precisamos uns dos outros, para um bem viver, já que o ser humano é um ser relacional, que não existe fora da malha dos relacionamentos. Por isso, se diz que "na Umbanda, sem Exu não se faz nada", o que não se limita a ele apenas, pois é Exu que abre a porta de comunicação deste mundo para outro mundo, entre o ayê (a terra) e o orun (o céu). 

Quanto aos dois amigos, o orgulho de uma amizade também pode ser elemento da vaidade humana que é colocada em xeque quando é questionada a verdade de cada um. Estar certo ou ter razão segundo o ego de cada um muitas vezes é colocado acima da harmonia do conjunto. Quanto às lendas, são metáforas e cabe a nós interpretar e compreender o seu simbolismo. 

Exu ganha o poder sobre as encruzilhadas 

Exu não tinha Riqueza, não tinha fazenda, não tinha Rio, não tinha profissão, nem artes, nem missão. Exu vagabundeava pelo mundo sem paradeiro. Então um dia, Exu passou a ir à casa de Oxalá. 

Ia a Casa de Oxalá todos os dias. 

Na casa de Oxalá, Exu se distraía, vendo o velho fabricando seres humanos. Muitos e muitos também vinham visitar Oxalá, mas ali ficavam pouco, quatro dias, oito dias, e nada aprendiam. Traziam oferendas, viam o velho orixá, apreciavam sua obra e partiam. 

Exu ficou na casa de Oxalá dezesseis anos. Exu prestava muita atenção na modelagem e aprendeu como Oxalá fabricava as mãos, os pés, a boca, os olhos, o pênis dos homens, as mãos, os pés, a boca, os olhos, a vagina das mulheres. 

Durante dezesseis anos ali ficou ajudando o velho orixá. Exu não perguntava. Exu observava. Exu prestava atenção. Exu aprendeu tudo. 

Um dia Oxalá disse a Exu para ir postar-se na encruzilhada por onde passavam os que vinham à sua casa. Para ficar ali e não deixar passar quem não trouxesse uma oferenda a Oxalá. 

Cada vez mais havia humanos para Oxalá fazer. Oxalá não queria perder tempo recolhendo os presentes que todos lhe ofereciam. Oxalá nem tinha tempo para as visitas. 

Exu tinha aprendido tudo e agora podia ajudar Oxalá. Exu coletava os ebós para Oxalá. Exu recebia as oferendas e as entregas a Oxalá. Exu fazia bem o seu trabalho e Oxalá decidiu recompensa-lo. Assim, quem viesse à casa de Oxalá teria que pagar também alguma coisa a Exu. 

Quem estivesse voltando da casa de Oxalá também pagaria alguma coisa a Exu. Exu mantinha-se sempre a postos guardando a casa de Oxalá. Armado de um Ogó, poderoso porrete, afastava os indesejáveis e punia quem tentasse burlar sua vigilância. Exu trabalhava demais e fez ali a sua casa, ali na encruzilhada. 

Ganhou uma rendosa profissão, ganhou seu lugar, sua casa. Exu ficou rico e poderoso. Ninguém pode mais passar pela encruzilhada sem pagar alguma coisa a Exu. 

Exu, o filho faminto de Orunmilá 

Um dia Orunmilá foi procurar Oxalá em seu palácio. 

Orunmilá e sua mulher queriam ter um filho. Chegando ao palácio de Oxalá, Orunmilá encontrou Exu Yangui sentado à esquerda da entrada principal. 

Já dentro do palácio, e diante do velho rei, Orunmilá fez seu apelo, escutando de Oxalá uma resposta negativa. 

O velho rei afirmou-lhe que ainda não era tempo da chegada de um filho. Orunmilá, insatisfeito e ao mesmo tempo curioso, perguntou a Oxalá quem era aquele menino sentado à porta do palácio e pediu ao rei, se poderia levá-lo como filho. 

Oxalá garantiu-lhe que não era o filho ideal de se ter, ao que Orunmilá insistiu tanto em seu pedido que obteve a graça de Oxalá. 

Tempos depois nasceu Exu, filho de Orunmilá. 

Para espanto dos pais, nasceu falando e comendo tudo que estava a sua volta, acabando por devorar a própria mãe. 

Exu aproximou-se de Orunmilá para também comê-lo, entretanto o adivinho tinha consigo uma espada e enfurecido partiu para matar o filho. 

Exu fugiu, sendo perseguido por Orunmilá, que a cada espaço do céu alcançava-o, cortando Exu em duzentos e um pedaços. 

A cada encontro, o ducentésimo primeiro pedaço transformava-se novamente em Exu. 

Assim terminaram por atingir o último espaço sagrado e, como não tinham mais saída, resolveram entrar num acordo. 

Exu devolveu tudo o que havia comido, inclusive sua mãe, em troca seria sempre saudado primeiro em todos os rituais. 

Odu Ogbe-Ogunda 1ª Lenda de Ifa 

Do Livro: Poemas de Ifa e Valores de Conduta Social Entre os Yorubás da Nigéria Autor Prof. King (África do Oeste) Pág. 219. Orientador: Prof. Dr. Fábio de Rubens da Rocha Leite. 

Gbengbeleku adivinhou onde quis. 

Foi feito um jogo divinatório para Igun, primogênito de Eledunmare, no dia em que adoeceu e a preocupação de seu pai era curá-lo. 

Igun, primogênito de Eledunmare, que é Agotun, aquele que faz da chuva uma fonte de riqueza. 

Eledunmare fez tudo o que pôde, sem sucesso. 

Cansado, abriu-lhe a porta do aye para que ele fosse morar lá. 

Toto Ibara foi quem adivinhou para Orunmilá quando este lamentava sua falta de sorte na vida. Ele foi consultar seu adivinho para saber se teria dinheiro para poder criar os filhos, para poder ter um lar. 

Por essa razão foi consultar Ifá. Seus adivinhos o aconselharam a fazer um ebó com cinco galinhas. Fazendo esse ebó, no quinto dia toda a riqueza desejada chegaria ás suas mãos. 

As galinhas deveriam ser sacrificadas a seu Eleda, uma a uma, diariamente, até completar cinco dias. Cada galinha sacrificada teria as vísceras retiradas e colocadas numa cabaça, cobertas com azeite de dendê e levadas a uma encruzilhada. 

O resto da galinha poderia ser consumido por ele e sua família. A caminho da encruzilhada onde seria entregue a oferenda, deveria ir cantando alto: que a sorte venha a mim, que a sorte venha a mim! Até chegar à encruzilhada onde seria entregue a oferenda. 

Esse ritual deveria prosseguir por cinco dias. 

Orunmilá fez conforme o orientado. Assim, ele começou a fazer o ebó. Sacrificava as galinhas e levava suas vísceras para a encruzilhada. Lá chegando, depositava a oferenda e despejava azeite de dendê por cima. 

Depois de colocar azeite de dendê começava a rezar pedindo que a sorte chegasse pra ele. Havia um mato em frente à encruzilhada onde Orunmilá entregava as oferendas e ali vivia Igun, o filho de Eledunmare. 

Assim que Orunmilá deixava os ebós e saía dali, Igun ia lá e comia a oferenda. Igun, filho de Eledunmare, tinha cinco doenças: uma na cabeça, outra nos braços, outra no peito. Nas costas tinha uma corcunda e era aleijado dos pés. 

No primeiro dia em que comeu a oferenda de Orunmilá, viu-se curado do problema que tinha na cabeça e surpreendeu-se. No dia seguinte, Orunmilá levou novamente seu ebó à encruzilhada repetindo os mesmos rituais, sem saber que alguém comia sua oferenda. 

Assim que Orunmilá saiu da encruzilhada Igun foi lá e comeu de novo a oferenda. Os dois braços de Igun que não se esticavam, depois de ter ele comido a oferenda, se esticaram. 

No terceiro dia Orunmilá continuou o seu processo, levando sua oferenda à encruzilhada. 

Mal terminaria de colocar o ebó na encruzilhada Igun foi lá e comeu dessa oferenda. O peito de Igun, que era inchado, desinchou assim que acabou de comer. 

No quarto dia, Orunmilá levou seu ebó à encruzilhada, cantando: que a sorte venha a mim, que a sorte venha a mim! 

Mal terminara de colocar o ebó na terra Igun foi lá novamente e o comeu. Assim que acabou de comer, a corcunda que havia em suas costas desapareceu. 

No quinto dia Orunmilá levou sua oferenda à encruzilhada para completar os rituais. No caminho ia cantando o mesmo refrão dos dias anteriores. 

Mal terminara de colocar o ebó na terra Igun foi lá novamente e o comeu. Na manhã do sexto dia seus dois pés aleijados haviam adquirido vitalidade e ele passou a andar sem dificuldade. 

Começou a caminhar por todos os cantos. E foi assim que ele se curou de todas as suas doenças. Impressionado com esses fatos Igun levantou-se e foi ao orun para encontrar-se com Eledunmare. 

Este, logo percebeu que o filho estava curado e lhe perguntou quem o curara. 

Igun relatou todo o ocorrido a Eledunmare, Disse-lhe que quem entregava as oferendas era Orunmilá e acrescentou que sempre que Orunmilá levava ebó a encruzilhada ele entoava o refrão – Que a sorte venha a mim! Que a sorte venha a mim! 

 Eledunmare disse a Igun que presentearia essa pessoa com riquezas. Pegou então os quatro ado ( dons, graças) e os deu a Igun para que os levasse a Orunmilá, no aye. 

Igun disse a Eledunmare que não sabia chegar à casa de Orunmilá e o pai o orientou dizendo que, assim que chegasse ao aye, perguntasse às pessoas e elas lhe indicaram o caminho. 

Antes de Igun sair do orun Eledunmare recomendou que Orunmilá poderia escolher apenas um dos quatro ado e Igun deveria trazer de volta os três restantes – o ado da riqueza, dinheiro e prosperidade, o ado da fertilidade, o ado da longevidade e o ado da paciência. 

Igun voltou para o aye trazendo os quatro ado. Ao chegar, foi à casa de Orunmilá e lá, mostrou a ele os quatro ado. 

Orunmilá se surpreendeu muito. Perplexo, em dúvida quanto ao que fazer, mandou chamar os filhos a fim de lhes pedir conselho sobre qual dos quatro escolher. Os filhos o aconselharam a escolher o ado da longevidade para que vivesse muito. 

Orunmilá chamou então suas esposas a fim de lhes pedir conselho sobre qual dos quatro deveria escolher. As esposas o aconselharam a escolher o ado da fertilidade para que pudessem ter muitos filhos. 

Orunmilá chamou seus irmãos a fim de lhes pedir conselho sobre qual dos quatro deveria escolher. Os irmãos aconselharam a escolher o ado da prosperidade para que pudessem ter muita riqueza e dinheiro. 

Orunmilá mandou chamar seu melhor amigo. Esse melhor amigo era Exu. 

Quando Exu chegou à sua casa, Orunmilá relatou-lhe o ocorrido e lhe pediu conselho quanto á escolha que deveria fazer. Exu, homem hábil, fez as seguintes perguntas a Orunmilá: 

- Teus filhos te aconselharam a escolher qual ado? 

Orunmilá respondeu: 

- O da longevidade. Exu lhe disse para não escolher esse ado porque não há uma única pessoa que tenha vencido a morte e lembrou que, por mais tempo que se viva, se morre um dia. 

Exu perguntou então: 

- E tuas esposas te aconselharam a escolher qual ado? 

Orunmilá respondeu: 

- O da fertilidade. 

Exu lhe disse para não escolher esse ado porque Orunmilá já tivera filhos, perguntou-lhe de novo: 

- E teus irmãos? Te aconselharam a escolher qual ado? 

Orunmilá respondeu: 

- O da prosperidade. 

Exu lhe disse pra não escolher esse ado porque se ficasse rico eliminaria a pobreza da família. E acrescentou que se seus irmãos quisessem prosperar deveriam trabalhar. 

Orunmilá perguntou então a Exu qual dos ado deveria escolher. E Exu lhe disse para escolher o ado da paciência porque sua paciência era insuficiente para permitir que chegasse onde desejava. 

Caso Orunmilá seguisse de fato o conselho e escolhesse o ado da paciência, todos os ado restantes seriam seus. 

Orunmilá aceitou a orientação de Exu. Escolheu o ado da paciência e devolveu a Igun os três restantes. 

Nem os filhos nem as esposas, nem os irmãos ficaram felizes com sua escolha. 

Igun partiu então, de volta, levando consigo os três ado restantes para devolvê-lo a Eledunmare. Mal andara um pouco com eles o ado da riqueza lhe perguntou: 

- Onde está Paciência? 

Igun respondeu que ela ficara na casa de Orunmilá. 

Riqueza disse a Igun que voltaria para ficar com Paciência porque só fica onde ela está. 

Igun lhe disse que isso era inaceitável e que Riqueza deveria retornar com ele ao orun. 

Riqueza insistiu que só fica onde há paciência e que, por isso, não tinha porque retornar ao orun. 

Em pouco tempo, desapareceu da mão de Igun e nesse tempo foi juntar-se á Paciência na casa de Orunmilá. 

Fertilidade também perguntou a Igun por Paciência. Igun lhe respondeu que ela estava na casa de Orunmilá. Fertilidade lhe disse que só fica onde há Paciência. 

Assim, Fertilidade levantou-se e procurou estar, em pouco tempo, junto com Paciência na casa de Orunmilá. 

Longevidade também perguntou a Igun onde estava Paciência. Igun lhe respondeu que ela estava na casa de Orunmilá. 

Longevidade também foi se juntar a Paciência. 

Quando Igun chegou ao orun Eledunmare lhe perguntou onde estavam os três ado restantes. Igun lhe respondeu que retornara para contar a Eledunmare que todos os ado haviam querido ficar junto com Paciência na casa de Orunmilá. E que pretendia retornar ao aye para buscá-los e trazê-los de volta ao orun. 

Eledunmare lhe disse que ele não precisava ir buscar os três ado pois, de fato, todos pertencem a quem escolher Paciência. Quem tiver paciência terá Longevidade, Fertilidade, Procriará e viverá bem com o que procriar. E terá também riqueza. Assim tudo transcorreu bem com Orunmilá e, com essas graças, veio a ser rei de ketu. Procriou e viveu bastante com esses ado. Teve tanta riqueza que construiu casas pelo mundo. Feliz por essas conquistas montou em seu cavalo e cantou: 

Recebi o ado da riqueza, recebi o ado da fertilidade, recebi o ado da longevidade, oh, recebi o ado da paciência. Dançou e alegrou-se. Louvou seus adivinhos e louvou também a Exu, o seu amigo. 

Aluman e a Seca 

Conta-se que Aluman estava desesperado com uma grande seca. Seus campos estavam áridos, a chuva não caía. As rãs choravam de tanta sede e os rios estavam cobertos de folhas mortas, caídas das árvores. 

Nenhum orixá invocado escutou suas queixas e gemidos. 

Aluman decidiu, então, oferecer a Exu grandes pedaços de carne de bode. Exu comeu com apetite desta excelente oferenda. Só que Aluman havia temperado a carne com molho muito apimentado. Exu teve sede. Uma sede tão grande que toda a água de todas as jarras que ele tinha em casa, e que tinham, em suas casas, os vizinhos, não foi suficiente para matar sua sede! 

Exu foi à torneira da chuva e abri-a sem pena. A chuva caiu. Ela caiu de dia, ela caiu de noite. Ela caiu no dia seguinte e no dia depois, sem parar. 

Os campos de Aluman tornaram-se verdes. Todos os vizinhos de Aluman cantaram sua glória. Aluman, reconhecido, ofereceu a Exu carne de bode com o tempero no ponto certo da pimenta. Havia chovido bastante. Mais seria desastroso! Pois, em todas as coisas, o demais é inimigo do bom. 

Exu e Ogã 

Exu sempre foi o mais alegre e comunicativo de todos os orixás. 

Olorum, quando o criou, deu-lhe, entre outras funções, a de comunicador e elemento de ligação entre tudo o que existe. Por isso, nas festas que se realizavam no orun (céu), ele tocava tambores e cantava, para trazer alegria e animação a todos. 

Sempre foi assim, até que um dia os orixás acharam que o som dos tambores e dos cânticos estavam muito altos, e que não ficava bem tanta agitação. Então, eles pediram a Exu, que parasse com aquela atividade barulhenta, para que a paz voltasse a reinar. 

Assim foi feito, e Exu nunca mais tocou seus tambores, respeitando a vontade de todos. 

Um belo dia, numa dessas festas, os orixás começaram a sentir falta da alegria que a música trazia. As cerimônias ficavam muito mais bonitas ao som dos tambores. 

Novamente, eles se reuniram e resolveram pedir a Exu que voltasse a animar as festas, pois elas estavam muito sem vida. 

Exu negou-se a fazê-lo, pois havia ficado muito ofendido quando sua animação fora censurada, mas prometeu que daria essa função para a primeira pessoa que encontrasse. 

Logo apareceu um homem, de nome Ogan. 

Exu confiou-lhe a missão de tocar tambores e entoar cânticos para animar todas as festividades dos orixás. E, daquele dia em diante, os homens que exercessem esse cargo seriam respeitados como verdadeiros pais e denominados Ogans. 

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