A Saída dos Orixás

 




A Saída dos Orixás 
por Rubens Saraceni 
 
Então chegou o momento que Olorum determinou que os seus filhos e filhas Orixás iniciassem a saída de sua morada interior e começassem a ocupar sua morada exterior. 

A Oxalá coube a primazia, porque ao sair, ele que é o espaço em si mesmo, criaria o meio ou o espaço indispensável para que os outros Orixás pudessem se deslocar e dar início à concretização de sua morada exterior com a criação dos mundos que seriam ocupados pelos seres espirituais.  

Não foi fácil para nenhum dos Orixás deixar de viver na morada interior, no íntimo do Divino Criador Olorum. 

Para Oxalá foi mais difícil ainda, porque ele, o primogênito, iniciaria a saída. 

Quando se viu diante do portal de saída, virou-se e contemplou mais uma vez o rosto de Olorum que o contemplava com os olhos fixos e sérios como a dizer-lhe: 

“Vá em frente, meu filho! Eu sou você por inteiro e você é parte de mim.” 

Oxalá olhou cada um dos seus irmãos e irmãs divinos, e dos olhos deles corriam lágrimas. Ele curvou-se, cruzou o solo divino que ainda pisava, tocou-o com a testa, beijou-o, e dos seus olhos caíram lágrimas que cintilaram ao tocá-lo. E ali suas lágrimas ficaram incrustadas no solo, como uma marca de sua partida. E, em cima dele muitas outras lágrimas haveriam de ser derramadas pelos outros Orixás à medida que fossem partindo. 

Oxalá levantou e virou-se novamente para o portal. E, já resoluto, avançou por ele com passos firmes, mas à medida que foi saindo, seu corpo explodiu e um clarão ofuscante se projetou no infinito, clareando em volta da morada exterior do nosso Divino Criador Olorum. 

E Oxalá curvou-se após ter dado o primeiro passo e cruzou o espaço à sua frente. 

Então levantou, já não tão ereto como quando saíra, deu um segundo passo e aí se curvou e cruzou o espaço à sua frente pela segunda vez... e quando Oxalá se curvou pela sétima vez e cruzou o espaço a sua frente, já não conseguiu se levantar senão só um pouco e ainda assim porque se apoiava em seu cajado, que é o eixo sustentador do mundo manifestado denominado paxorô.  

Ele voltou-se na direção em que ficava a sua morada interior e já não a viu, pois o que viu foi o espaço vazio infinito em sua volta. E ele olhou para toda a sua volta e não viu nada além do espaço vazio.  Então, o peso da sua responsabilidade foi tanto que ele caiu de joelhos e com a voz embargada emitiu essas frases:  

— Pai, por que fez isso comigo se o amo tanto?  
— Pai, por que me separou de você, se me sinto parte do senhor?  
— Pai, sem o senhor eu sou o que vejo em minha volta, nada, meu pai amado! 
— Por que, meu pai amado? 

E Oxalá, de joelhos e apoiado em seu cajado, chorou o mais dolorido pranto já ouvido desde então na morada exterior. E todos os outros Orixás, que estavam do lado de dentro da morada interior e o viam a apenas sete passos do portal de saída, emocionaram-se tanto com o pranto dele que também se ajoelharam e choraram o mais sentido dos choros, pois tanto choraram a angústia dele quanto a que sentiam, porque também teriam que deixar a morada interior.  

Olorum, vendo todos os Orixás ajoelhados e chorando, ordenou: 

— Meu filho Ogum, o espaço já existe na minha morada exterior. Agora é sua vez de levar para ela o seu mistério e abrir os caminhos para que seus irmãos e irmãs possam segui-los em segurança e vivenciarem os destinos que reservei para cada um. Siga sempre em frente, pois já existe um caminho feito por mim e trilhado por Oxalá. E, ainda após você dar o sétimo passo, só veja o espaço infinito em sua volta e nada mais, no entanto, onde seu pé direito pousar no seu sétimo passo, ali se iniciará o caminho que o conduzirá até onde ele se encontra agora.  
— Meu amado pai Olorum, eu vejo meu amado irmão bem ali, ajoelhado diante do portal de saída dessa sua morada, meu pai! 
— Ogum, assim que você der o primeiro passo depois da soleira desse portal você só verá o vasto e infinito espaço vazio à sua volta. Não titubeie, pois só encontrará o caminho que o levará até Oxalá, caso de sete passos resolutos, meu filho. 
— Assim diz o meu pai e meu Divino Criador Olorum, assim farei, meu pai amado! 

E Ogum despediu-se e cruzou o portal de saída. E quando deu o primeiro passo e olho à sua direita e à sua esquerda e nada viu além do espaço ainda vazio, mas infinito em todas as direções, um tremor percorreu lhe o corpo de cima para baixo. Mas ele continuou a caminhar. E ao dar o sétimo passo com o seu pé direito, Ogum ajoelhou-se e cruzou o espaço vazio diante dos seus pés. E cruzou o espaço acima da sua cabeça; e cruzou o espaço a sua frente; e cruzou o espaço a suas costas; e cruzou o espaço a sua direita; e cruzou o espaço a sua esquerda... e viu seu irmão Exu, que deu uma gargalhada e, à guisa de saudação, falou-lhe: 

— Ogum, meu irmão! Que bom vê-lo aqui do lado de fora da morada do nosso pai e nosso Divino Criador Olorum! Por que você demorou tanto para sair? 
— Exu, é bom revê-lo, meu irmão! O que você faz por aqui? 
— O que eu faço por aqui? 
— Foi o que lhe perguntei, Exu. 
— Eu já ando por aqui há tanto tempo, que eu nem sei há quanto tempo eu ando por aqui, sabe? 
— Não sei não. Explique-se, Exu! 
— Ogum, lá vem você com seus pedidos de explicação de novo! 
— Explique-se, está bem? 
— Já que você insiste, digo-lhe que é por causa do fator adiantador que gero, sabe? 
— Não sei não, que fator é esse?  
— Bom, até onde eu já sei, ele faz com que eu chegue sempre adiantado nos acontecimentos e este é um acontecimento e tanto, não? 
— Que é um acontecimento e tanto, disso não tenho dúvidas. Mas, como você chegou aqui, se só Oxalá havia saído?  
— Ah, Oxalá passou por aqui, mas como ele estava muito triste e derramando lágrimas, eu achei melhor ir até ele quando ele deixar de derramar lágrimas. Afinal, eu gero o fator hilariador, não o entristecedor, sabe? 
— Já estou sabendo... porque Exu ri até sem motivos. 
— Ogum, a falta de motivos para se rir é algo hilário, ainda que muitos pensem o contrário. Mas, se formos atrás dos motivos da falta de risos, aí vemos que é algo tão tolo, que se torna hilário.  
— É, se Exu está adiantado e diz isso, então você já sabe de algo que logo descobrirei, certo? 
— Foi o que eu disse, Ogum. 
— Então Oxalá não tinha nenhuma razão para sentir-se tão triste e angustiado. É isso, Exu? 
— Não mesmo Ogum! Logo logo, isso aqui estará fervilhando de tantos seres que estão à espera da concretização dos mundos que todos os que ficarem na morada interior desejarão vir para cá. E isto aqui estará tão cheio que muitos desejarão retornar a ela, sabe?  
— Ainda não sei, mas se você, que chegou aqui antes do espaço existir, e não sei como, está dizendo, então logo saberei.  
— E então, para onde você está indo Ogum meu irmão à minha direita? 
— Vou até onde está Oxalá, Exu. 
— Posso acompanhá-lo? 
— Pode sim, com você ao meu lado esquerdo, creio que não me sentirei tão só, não é mesmo? 
— Se é Ogum! Comigo no seu lado esquerdo ninguém nunca se sentirá só. 
— Então vamos, Exu. Já vejo o caminho que conduz até Oxalá. 
— Você vai seguir os passos dele? 
— Vou, Exu. 
— Você não quer seguir por um caminho alternativo que é mais curto? 
— Caminho alternativo? Que caminho é esse? 
— É um atalho, um desviozinho! Mas leva até ele do mesmo jeito, certo? 
— Errado, Exu! Atalhos ou desviozinhos podem levar a muitos lugares, mas nunca levarão alguém até Oxalá ou qualquer outro lugar, pois todos eles levam aos seus domínios, que estão localizados no vazio. Isso sim, é certo! 
— Tudo bem que isso é certo. Mas uma passadinha nos meus domínios não faz mal a ninguém, sabe? 
— Não sei e não quero saber. Quem quiser que siga seus convites. Vamos? 
— Vamos para onde? 
— Ao encontro de Oxalá, oras! 
— Não, não! 
— Por que não? 
— Esse caminho que leva a Oxalá é muito reto, é retíssimo mesmo! E Exu só trilha caminhos tortos ou tortuosos, sei lá! 
— Até a vista, Exu! 

Ogum seguiu o caminho que conduzia até Oxalá. Logo chegou onde ele estava. Após saudá-lo cruzando o solo e o espaço à frente dele, levantou-se, e os dois abraçaram-se. Então ficaram no aguardo da chegada dos outros Orixás que não demoraram a chegar. E quando passou muito tempo sem mais nenhum outro aparecer, iniciaram suas funções de poderes criadores na morada exterior do nosso Divino Criador, gerando essas e muitas outras lendas sobre eles, que contaremos em outro livro. 
 
Texto extraído do livro  “Lendas da Criação - A saga dos Orixás”  de Rubens Saraceni, Editora Madras.


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