Magia na Umbanda
Magia na Umbanda
Por Alexandre Cumino
“Umbanda é espiritismo prático, é Magia Branca,
é sessão de espiritismo realizada em mesa ou terreiro,
para a prática do bem”
Lourenço Braga, 1941
Boa partes dos autores umbandistas afirmam que “Umbanda é Magia”, encontrando na
mesma (na Magia) o sentido e a origem de ser da religião.
O que fundamenta este raciocínio é a larga utilização de elementos mágicos e rituais nas
práticas umbandistas. Observamos desde trabalhos mais requintados sugeridos pela literatura
umbandista até a forma mais popular de magia como benzimentos, rezas fortes, passes
(imposição de mãos), receitas de banhos e chás.
As entidades de Umbanda manifestam
diferentes procedimentos para realizar sua magia, o que pode ser justificado com a variedade
cultural que se mostra por meio do arquétipo assumido por elas como caboclo, preto-velho,
baiano, boiadeiro, marinheiro, orientais (chineses, hindus, persas e outros), exus e pomba giras.
A rigor cada um tem a sua magia, no entanto, as práticas transitam entre xamanismo,
pajelança, magia afro ofertatória (relacionada com os Orixás e suas oferendas), teurgia
(magia européia) e o que se pode chamar de Magia de Umbanda, práticas comuns a quase
todas as entidades, como o uso de pontos riscados, que consistem de signos e símbolos
mágicos riscados no chão com um giz chamado de “pemba”.
Durante as práticas são
combinados um conjunto de elementos como velas, fumo, bebida, ervas, espadas punhais,
ponteiros, pedras, correntes, ponteiros e outros.
• Leal de Souza ao publicar a primeira obra de Umbanda, O Espiritismo, a Magia e as
Sete Linhas de Umbanda, 1933, já nos chama a atenção para a presença da Magia já no título
da mesma. No capítulo XVI, OS ATRIBUTOS E PECULIARIDADE DA LINHA BRANCA, apresenta e
explica alguns dos elementos utilizados nos rituais de Umbanda e em sua magia:
Guia – É um colar de contas de cor simbólica de uma ou mais linhas. Fica, mediante o
“cruzamento”, em ligação fluídica com as entidades espirituais das linhas que representa.
1 Lourenço Braga. Umbanda e Quimbanda. Rio de Janeiro: Ed. Spiker, 1961, 12ª edição, p.68
Desvia, neutraliza ou enfraquece os fluídos menos apreciáveis. Periodicamente é lavado nas
sessões, para limpar-se da gordura do corpo humano, bem como dos fluidos que se lhe
aderiram, e de novo cruzada.
Banho de descarga – Cozimento de ervas para limpar o fluído pesado que adere ao
corpo, como um suor invisível. O banho de mar, em alguns casos, produz o mesmo resultado.
Cachaça – Pelas suas propriedades, é uma espécie de desinfetante para certos fluídos;
estimula outros, os bons; atrai, pelas suas vibrações aromáticas, determinadas entidades, e
outros bebem-na quando incorporados, em virtude de reminiscências da vida material.
Defumador – Atua pelas vibrações do fogo e do aroma, pela fumaça e pelo movimento.
Atrai as entidades benéficas e afasta as indesejáveis, exercendo uma influência purificadora
sobre o organismo.
Ponto cantado – é um hino muitas vezes incoerente, porque os espíritos, que no-lo
ensinam, o compõem de modo a alcançar certos efeitos no plano material sem revelar
aspectos do plano espiritual. Tem, pois, duplo sentido. Atua pelas vibrações, opera
movimentos fluídicos e, harmonizando os fluidos, auxilia a incorporação. Chama algumas
entidades e afasta outras.
Ponto riscado – É um desenho emblemático ou simbólico. Atrai, com a concentração
que determina para ser traçado, as entidades ou falanges a que se refere. Tem sempre uma
significação e exprime, às vezes, muitas coisas, em poucos traços.
Ponteiro – É um punhal pequeno, de preferência com cruzeta na manga, ou
empunhadura. Serve para calcular o grau de eficiência dos trabalhos, pois as forças fluídicas
contrárias, quando não foram quebradas, o impedem de cravar-se, ou o derrubam, depois de
firmado. Tem, ainda, a influência do aço, no tocante ao magnetismo e à eletricidade.
Pólvora – Produz, pelo deslocamento do ar, os grandes abalos fluídicos.
Pemba – Bloco de giz. Usa-se para desenhar os pontos. Esses recursos e meios não são
usados arbitrariamente em qualquer ocasião, nem são necessários nas sessões comuns. A
pólvora, por exemplo, só deve ser empregada em trabalhos externos, realizados fora da
cidade, ao ar livre. Nos últimos anos, os guias não têm permitido que os centros ou tendas
guardem ou possuam em suas sedes cimba, punhais ou pólvora, concorrendo, com suas
instruções, para que sejam obedecidas as ordens das autoridades publicas.
No mesmo livro apresenta um capítulo chamado A MAGIA NEGRA, onde dá algumas
explicações sobre magia e coloca a Umbanda como uma forma de combater a Magia Negra.
Considerando que Leal de Souza se inicia na primeira tenda de Umbanda, Tenda Espírita
Nossa Senhora da Piedade, entendemos que a prática de magia de forma explícita sempre foi
uma característica da religião, que faz justificar a presença de alguns elementos e símbolos
mágicos na ritualística.
• Capitão Pessoa que também foi iniciado, preparado, por Zélio de Moraes na Tenda
Espírita Nossa Senhora da Piedade, e que mais tarde se tornaria dirigente espiritual e
sacerdote responsável pela Tenda Espírita de Umbanda São Jerônimo, uma das sete tendas
fundadas e mantidas diretamente pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas. No texto abaixo, de
sua autoria, Umbanda, A Magia e os seus Mistérios , podemos observar a importância, que
desde sempre, teve e tem a Magia para a pratica de Umbanda, e a própria Umbanda enquanto
Religião e Magia:
A Magia é um tema que me fascina e sobre o qual resolvi tecer algumas considerações.
Considerações ligeiras, porque mesmo que eu dispusesse das vinte e quatro horas do dia para
discorrer sobre matéria tão relevante não a esgotaria.
Antes de mais nada: o que é a magia?
Para os letrados do século em que vivemos é superstição grosseira, ignorância e
exploração da credulidade humana.
Mas, nós que lidamos com a magia, que a realizamos, que vemos os seus milagres
diários, sabemos que magia é a ciência da vida e da morte, é a ciência do bem e do mal, é
a arte magna que nivela o homem aos deuses. (grifo nosso)
A magia, segundo o sábio Adolfo Weis, que a estuda à luz das ciências oficiais, revela-se
irmã maior da moderna física dos raios e seu domínio é aquele mundo intermédio, entre o
mundo conhecido, ou material e o do éter, sobre o qual se pode apenas fazer conjecturas.
E acrescenta aquele ilustre sábio: a magia é, portanto, uma ciência dos fluidos, que
constituem um ramo conhecidíssimo das ciências naturais.
O que fazemos nós em Umbanda? Aproveitamos, por processos de Magia, os fluidos que a
ciência reconhece e que enchem o espaço que nos rodeia , para aplicá-los em beneficio da
humanidade sofredora.
E de que meio nos valemos para a aplicação desses fluídos?
Todos nós que frequentamos as Tendas de Umbanda sabemos como se realizam as suas
sessões de magia e como chamamos os nossos Guias, que outra coisa não fazem senão
manejar esses fluídos com a sua incomparável maestria.
Realizando a difícil tarefa de impor-se num meio em que uma certa maioria lhe é hostil,
Umbanda revive em pleno século XX os milagres da magia eterna, que durante quase dois mil
anos o poder da Igreja de Roma procurou esmagar e que, apesar da luta sem tréguas,
floresceu sempre, ora numa ora noutra parte, sob o mais rigoroso sigilo em meio fechado e só
acessível aos iniciados.
2 In Umbanda Religião do Brasil, 1960.
Hoje a grande magia é feita as claras e o reconhecimento dos direitos do homem e a
liberdade que a este é assegurada pelo domínio da liberal democracia dão à Umbanda a
oportunidade de aparecer, realizando, na sua humildade incomparável, a missão de defender
os que a buscam dos temíveis efeitos da magia negra que, pelos mesmos motivos, também é
hoje praticada às claras.
A magia é quem move o mundo. É a grande força invencível que pode ser manejada para
o bem ou para o mal. É uma força viva, como a eletricidade ou a energia atômica, da qual só
duvidam os que não querem ter o trabalho de raciocinar um pouco.
“A magia – diz Eliphas Levy – encerra, numa mesma essência, o que a filosofia pode
ter de mais certo e o que tem a religião de infalível e eterno. Ela concilia perfeita e
incontestavelmente estes dois termos que a primeira vista pareçam tão opostos ; fé e
razão, ciência e crença, autoridade e liberdade. Ela dá ao espírito humano um
instrumento de certeza filosófica e religiosa exato como as matemáticas e corroborando a
infalibilidade das próprias matemáticas.
A Alta Ciência , a Ciência Absoluta é a Magia”
(grifo nosso)
E é esta força viva, esta “Ciência Absoluta”, que Umbanda maneja magistralmente,
através dos seus poderosos guias, por intermédio dos humildes instrumentos dos terreiros – os
nossos irmãos médiuns, que com o mais absoluto espírito de sacrifício tudo deixam para
prestar o auxilio que lhes é pedido [...] (p.78)
A Umbanda, que é, como magia, o instrumento por excelência de que o Rei do Mundo se
serve para resolver os problemas dos seus devotos [...] (p.79)
A magia que é tão velha como o mundo, ou mais velha, tem tido seus períodos de
prestígio e decadência, tem imperado sobranceira e vivido ocultamente, sob mil disfarces,
em terríveis épocas de perseguição. Mas nunca deixou de ser exercida, fosse qual fosse a
sorte reservada aos seus adeptos , ora chamados de alquimistas, ora de bruxos, feiticeiros,
magos negros, etc.
Não sendo religião, todas as religiões a praticam, mesmo inconscientemente, ou
ignorando que a fazem seus sacerdotes (como os da Igreja Católica que perdeu a chave dos
mistérios), quando realizam as suas cerimônias, que outra coisa não são senão operações de
alta magia [...] (p.81)
Umbanda é o milagre vivo diante dos nossos olhos deslumbrados; Umbanda é a ação do
Cristo na sua jornada pelo planeta, realizando a sua Magia Divina em favor da humanidade
que se debate no sofrimento e na dor.
Umbanda é magia , e magia é a mola que move este mundo [...] (p.84)
O que Umbanda faz é reviver para uma multidão aquilo que sempre se praticou no
mistérios dos santuários e para um pequeno numero de privilegiados [...] (p.86)
Há cerca de 40 anos venho diariamente dedicando parte do meu tempo a estudar as
coisas da magia, que tanto me seduzem, e cada dia que se passa, ao desvendar novos
segredos, a aprender a aplicação de novas fórmulas, mais me espanto de ver o quão pouco me
foi dado saber de uma ciência tão difícil e tão intrincada! Porque quanto mais aprendemos
mais se desdobram as perspectivas de novos mistérios a desvendar nessa arte de tão difícil
manejo [...] (p.86)
Não é impunemente que se penetra nos mistérios da magia e à entrada do sagrado
recinto onde ela se realiza deve haver um anjo com espada de fogo que fizesse recuar os
inconscientes que tentassem nele penetrar! [...] (p.87)
Temos orgulho em mais uma vez repetir que somos uma religião de magos. Somos
umbandistas e a nossa missão é fazer a boa magia, a magia divina, com o único objetivo
de fazer a caridade [...] (p.90) 3 (grifo nosso)
• Lourenço Braga, 1941, vem através de sua literatura trabalhar a relação entre Magia
e Umbanda, apresentando os fundamentos da Umbanda enquanto Espiritismo e Magia Branca.
Entre os seus títulos está Umbanda (magia Branca) e Quimbanda (magia Negra),
Os Mistérios
da Magia (um romance) e Trabalhos de Umbanda ou Magia Prática:
Devemos dividir o Espiritismo, como ele é, na verdade, em três partes, a saber:
• Lei de Kardec:
Espiritismo doutrinário, filosófico e cientifico
• Lei de Umbanda:
Espiritismo – Magia Branca
• Lei de Quimbanda:
Espiritismo – Magia Negra
Depois de haver publicado os livros “Umbanda e Quimbanda” e “Os Mistérios da Magia”
resolvi, atendendo aos apelos de um grande número de praticantes do espiritismo , escrever o
presente livro (Trabalhos de Umbanda ou Magia Prática), com o propósito de transmitir aos
leitores conhecimentos sobre o modo de praticar a Magia Branca.
No livro Os Mistérios da Magia o autor romanceia a história de uma família que sofre as
conseqüências negativas de uma magia negra feita por alguém que queria se “vingar” por não
ter recebido a mão da filha de tal família.
Depois de muitas tragédias conseguem ajuda
através da Umbanda, Magia Branca, onde são desfeitos os efeitos negativos da magia negra. É
também um livro doutrinário que visa esclarecer o que é Umbanda e suas sete linhas, na visão
de Lourenço Braga.
• Rubens Saraceni, médium, sacerdote e autor umbandista esclarece:
José Álvares Pessoa. Umbanda, A Magia e os seus Mistérios. In, Umbanda – Religião do Brasil. São Paulo: Ed. Obelisco, 1960
4 Lourenço Braga. Umbanda e Quimbanda, 1942, p.9.
5 Lourenço Braga.
Trabalhos de Umbanda ou Magia Prática, p.9.
A Umbanda tem na sua base de formação os cultos afros, os cultos nativos, a doutrina
espírita kardecista, a religião católica e um pouco da religião oriental (budismo e hinduismo)
e também da magia, pois é uma religião magística por excelência, o que a distingue e a
honra, porque dentro dos seus templos a magia negativa é combatida e anulada pelos
espíritos que neles se manifestam incorporando nos seus médiuns.
Dos elementos formadores das bases da Umbanda surgiram as suas principais correntes
religiosas, as quais interpretamos assim:
1ª Corrente – Formada pelos espíritos nativos...
2ª Corrente – Os cultos de nação africana...
3ª Corrente – Formada pelos Kardecistas...
4ª Corrente – A magia é comum a toda a humanidade e as pessoas recorrem a ela
sempre que se sentem ameaçadas por fatores desconhecidos ou pelo mundo sobrenatural,
principalmente pelas atuações de espíritos malignos e por processos de magia negra ou
negativa.
Dentro da Umbanda, o uso da magia branca ou magia positiva se disseminou de forma
tão abrangente que se tornou parte da religião , sendo impossível separar os trabalhos
espirituais puros dos trabalhos espirituais mágicos [...] (pp.22,23)
(...)
Magia é o ato de evocar poderes e Mistérios Divinos e colocá-los em ação,
beneficiando-nos ou aos nossos semelhantes...
Magia é o ato de ativar ou desativar mistérios de Deus;
Magia é a “manipulação” mental, energética, elemental e natural de mistérios e poderes
Divinos;
Magia é o ato de, a partir de um ritual evocatório específico, ativar energias e mistérios
que , só assim, são colocados em ação;
Magia é um procedimento paralelo aos religiosos ou, mesmo, parte deles...(pp.226,227)
[...]
A Magia Divina é dividida em duas vertentes: uma religiosa e outra energética.
• Na magia religiosa, os orixás são evocados quando são oferendados em seus
santuários naturais, e o ritual é um ato religioso, revestido de preceitos e posturas religiosas
por quem o realiza;
• Na magia energética, os orixás são ativados a partir de uma escrita mágica ou
grafia de pemba, e são usados elementos mágicos específicos;
• Na magia religiosa, as velas são usadas para iluminar as oferendas propiciatórias e
como sinal de respeito e de reverência às divindades às quais elas são consagradas e firmadas;
• Na magia energética, as velas são apenas mais um dos elementos mágicos usados
pelo médium magista e não tem sentido de iluminar algo, mas sim se destinam a projetar
ondas energéticas ígneas que queimarão egrégoras e energias negativas, etc... (p.237)6
Comentar os poderes mágicos individuais é mostrar a todos em geral, e a cada um em
particular, que todos nós somos portadores de “dons” que nos tornarão aptos a ativar. Doutrina e Teologia de Umbanda Sagrada. Ed. Madras, 2006.
processos mágicos positivos em favor dos nossos semelhantes, bastando para tanto que nos
coloquemos em uma vibração e grau consciencial afim com os regentes dos dons.
Um médium, ao colocar o nome de alguém junto à imagem simbólica de um Orixá
sagrado, já está realizando a ativação dos poderes daquele Orixá, pois a sua fé o moveu.
Este é o principio da magia! (p.160)
Nos trabalhos de caridade espiritual, realizados nos centros de Umbanda, tudo é magia.
Ela vai desde as baforadas de fumaça até o estalar de dedos; desde defumações até os cantos
dos pontos de chamada para o trabalho. Tudo é mágico na Umbanda.
Rubens Saraceni é o umbandista que mais atenção dedicou à magia, dentro e fora da
Umbanda. Além da literatura, formou o Colégio Tradição de Magia Divina no qual prepara as
pessoas (umbandistas ou não) para a prática de Magia Divina.
Não faltam autores para defender a magia na Umbanda, a religião é rica em elementos e
procedimentos mágicos.
Poderíamos nos estender citando a Magia como origem para quase todas as religiões, na
busca pelas tradições místicas e mágicas originais das mesmas, invocando Cabala, Sufismo,
Gnose, Alta Magia, Teurgia, Wica, Druidismo, Xamanismo e etc. ou ainda poderíamos nos
deter nos impressionantes fatos narrados na Bíblia e que podem ser ainda considerados
práticas de Magia, como os grandes feitos de Moisés, a arte dos Profetas ou expulsão de
espíritos. Sem esquecermos dos três primeiros “cristãos”, os três Reis Magos vindos do
Oriente. E não seria magia, também, o Espiritismo visto pelos olhos da santa inquisição?
Fica
assim esta reflexão em aberto para se pensar mais sobre o que é magia e como praticá-la
dentro ou fora da Umbanda.
Este texto faz parte do Livro História da Umbanda, Alexandre Cumino, Editora Madras.
Olá, sou Anna Pon, autora deste blog.
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